Novo ambiente
27/08/2014Fonte: Valor Econômico | 27.08.2014
Por Rosangela Capozoli
Depois do “arrastão” da Lei da Ficha Limpa, que colocou no limbo centenas de candidaturas suspeitas, o país tem agora a Lei da Empresa Limpa (ou Lei Anticorrupção). Em vigor desde janeiro, a lei 12.846 responsabiliza empresas e seus funcionários pela prática de atos contra a administração pública. Com a legislação, o Estado quer punir o agente corruptor e também a empresa que se deixa corromper. Espera, com isso, que o Brasil deixe a incômoda posição de 72º no ranking da corrupção numa lista global de 180 países. A nova lei prevê para os infratores punições que podem chegar a R$ 60 milhões ou 20% do faturamento, sem isentá-los de reparar os prejuízos aos cofres públicos.
Antes de tudo, o propósito da lei é inibidor e educativo. Mais que isso, a lei pretende premiar as empresas “limpas” com melhores condições de competitividade. “A lei tem o poder de igualar as condições de competitividade entre as empresas, fazendo com que o mercado premie aquelas que investem em ética, integridade e eficiência”, diz Sérgio Nogueira Seabra, secretário de Transparência e Prevenção da Corrupção. “Quando se cria igualdade de competição baseada na eficiência, a empresa, o cidadão e o governo se beneficiam. É um jogo onde todos ganham”, diz Seabra, um dos palestrantes no seminário do Valor “A nova Lei Anticorrupção e seus impactos nas empresas”.
“Trata-se de uma lei destinada a mudar realmente o nível do ambiente de negócios no Brasil”, diz Jorge Hage, ministro de Estado Chefe da Controladoria Geral da União, que também participou do evento. O ministro, no entanto, vê dois obstáculos. Um deles é a “necessária reforma para agilização do processo judicial tanto civil como criminal, de forma que os processos não demorem de 10 a 20 anos”. O outro é a “abolição do financiamento empresarial das campanhas políticas que, aliás, são as duas grandes metas que temos pela frente”.
Para o ministro, a Lei da Empresa Limpa, como ele prefere chamar a Lei Anticorrupção, é mais um marco em um combate que começou uma década atrás, com “os portais de transparência, com a lei de acesso à informação, com a instituição do sistema de corregedorias”. Esses mecanismos, enumera Hage, “tiraram 4.016 agentes corruptos dos quadros da administração federal, impediram de participar de licitações 3.866 empresas e barraram 2.690 ONGs de receber convênios”.
Para Hage, com a lei as empresas “se transformam em agentes da prevenção da corrupção, pois podem ser responsabilizadas objetivamente, independentemente da boa ou má intenção dos seus dirigentes. Por isso passam a ser as maiores interessadas na vigilância sobre os empregados, despachantes, terceirizados, representantes ou quem quer que seja que pratique algum ato em benefício dela, mesmo sem que a companhia saiba”. Hage observa que não se deve esperar a mesma resposta de micro, pequena ou média empresa em comparação a uma multinacional. Destaca ainda que deve haver diferenças quanto à sua atuação, o grau de relação com o setor público e o uso de intermediários.
De acordo com o texto da lei, são atos lesivos à administração pública prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou a alguém a ele relacionado; financiar, custear, patrocinar ou subvencionar a prática de atos ilícitos; ocultar ou dissimular reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados e fraudar ou impedir licitações públicas e contratos.
Ainda segundo a lei, estão passíveis de responsabilização as empresas ou entidades que oferecerem vantagens ao responsável por licitação pública; aquelas criadas de modo fraudulento ou irregular apenas para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; que manipularem ou fraudarem o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública e dificultar a investigação ou fiscalização por órgãos, entidades ou agentes públicos e aquelas que intervierem na atuação das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
No outro lado das proibições, a lei traz incentivos à prevenção de más práticas. As empresas devem desenvolver programas de prevenção à corrupção e lavagem de dinheiro, adotar políticas, procedimentos e controles internos de acordo com seu tamanho e volume de operações. A lei ainda estimula o desenvolvimento de procedimentos internos de controle e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta.
Alguns Estados estão saindo na frente nas iniciativas contra a corrupção. Em São Paulo, uma das armas contra a corrupção é a eliminação de intermediários nas operações que envolvem agentes públicos com cidadãos, como os postos “poupa tempo”. Se é bom para o público e o Estado, também é bom para as empresas, uma política que já se adota em países da Europa e nos Estados Unidos. “Entendo que a Lei da Empresa Limpa reforça os compromissos internacionais do Brasil nessa área e coloca o nosso país junto com os outros integrantes em desenvolvimento e mesmo desenvolvidos”, diz Gustavo Ungaro, presidente da Corregedoria Geral da Administração de São Paulo (CGA).
Para o presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Evandro Guimarães, as empresas têm papel importante no combate à corrupção. “É preciso que cada empresa tenha a sua comissão interna para prevenção pró integridade.” Segundo ele, “no Brasil, a sonegação, o contrabando, a pirataria, a adulteração equivalem a um Produto Interno Bruto (PIB) dos países da América Latina”. “O maior patrimônio de uma nação é o mercado interno que tem que ser preservado e não podemos poupar esforços para fazer com que as empresas participem desse movimento anticorrupção”, diz.
Mario Vinícius Claussen Spinelli, controlador geral do município de São Paulo, defende a tese de que “é preciso mudar a relação de promiscuidade entre o setor público e privado no Brasil”. Ele sugere que o país adote modelos internacionais que responsabilizem as redes de corrupção. Segundo Spinelli, o Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que não tinham uma lei anticorrupção. Na cidade de São Paulo, os resultados são ilustrativos. Por exemplo, só no mês passado, a arrecadação de ISS Habite-se aumentou 74%. As ações levaram a um esquema de corrupção que envolvia mais de 400 empresas e que agia há uma década. Do total – diz Spinelli -, “apenas cinco delas procuraram a controladoria para colaborar com a investigação e apenas uma delas de livre e espontânea vontade”.