Empresa vai responder por atos dos funcionários

27/08/2014

Fonte: Valor Econômico | 27.08.2014
Por Felipe Datt

 

A entrada em vigor da Lei 12.846/2013, no fim de janeiro, tirou oficialmente de cena a teoria da cegueira deliberada, aquela do “não sei, não vi, não concordei”, em casos de corrupção envolvendo empresas e órgãos públicos. Em seu lugar, passa a valer a regra da responsabilização objetiva das organizações quando da ocorrência de ilícitos dessa natureza, como o suborno a servidores ou o pagamento de propinas. Na prática, as pessoas jurídicas de qualquer porte e setor de atuação serão responsabilizadas diretamente pelos atos ilegais praticados por funcionários, terceirizados ou qualquer pessoa atuando em nome da empresa, com ou sem a conivência e o conhecimento da administração.

Com a aprovação do texto, o Brasil se alinha a uma série de nações que, signatárias de convenções anticorrupção como a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), introduzida no país por decreto federal em 2000, e a da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo decreto foi publicado em 2002, passaram a tratar o combate à prática de ilícitos na relação púbico-privado como fator primordial na melhora do ambiente de negócios e na isonomia competitiva. “A lei é um marco de conduta e ética no país e facilita a investigação, dando poderes bastante amplos para diferentes órgãos”, resume a sócia do Levy & Salomão Advogados, Ana Paula Martinez.

A Lei Anticorrupção se soma a textos como a Lei da Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que ainda que primordialmente visasse o servidor público que cometesse ato de corrupção, também previa pena para as empresas envolvidas no ilícito. “A grande novidade da 12.846/13 é a responsabilização objetiva da empresa. Enquanto na lei de improbidade administrativa só era possível punir a pessoa jurídica se houvesse um servidor público condenado, agora, independentemente de essa pessoa ser punida ou não, a empresa será responsabilizada pelo ato”, diz.

Textos como a Lei Anticorrupção, ao lado de legislações correlatas, como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) americano, promulgado em 1977, e o UK Bribery Act, de 2010, trazem pequenas diferenças conceituais, mas objetivos em comum: a melhoria do ambiente de negócios. Um levantamento recente do Banco Mundial mostra que, anualmente, são pagos US$ 1 trilhão em propinas globalmente. O Fórum Econômico Mundial vai além, e estima que o custo da corrupção equivale a US$ 2,6 trilhões, o equivalente a 5% do PIB global, e que a corrupção implica aumento de 10% nos custos dos negócios.

As penalidades e sanções previstas para as empresas à luz da Lei 12.846/13 são consideradas pesadas na comparação com os textos dos EUA e do Reino Unido. No Brasil, empresas condenadas por atos de corrupção praticados por funcionários ou intermediários serão alvo de processos civis e administrativos e poderão pagar multa que varia de 0,1% a 20% do faturamento anual bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo – nunca inferior, entretanto, à vantagem auferida, quando for possível estimá-la -, além da reparação total do dano causado. Também serão impedidas de receber subsídios ou empréstimos de órgãos públicos por um período de um a cinco anos.

“As penas são rígidas”, afirma a advogada especializada em Compliance do escritório L.O. Baptista – SVMFA, Silvia Julio Bueno. De fato, além das sanções financeiras, a nova legislação obriga a publicação da decisão condenatória em veículos de grande circulação e cria o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), uma espécie de lista negra de companhias que tenham sido penalizadas por casos de suborno ou fraude envolvendo contratos e licitações públicas. “No fundo, a lei é importante por três aspectos. O primeiro é que ela mexe no bolso da empresa. O segundo é que a legislação quer que a empresa tenha sua imagem pública devastada se praticar um ato de corrupção. O terceiro ponto é que a empresa altera seu dia a dia, o que se reflete na existência de um programa de compliance.”

Ainda que a legislação não obrigue as empresas a adotar um programa de compliance – cujo objetivo, além da busca da conformidade a leis e regulações inerentes ao seu negócio, é a prevenção, detecção e a reação a casos de corrupção -, a existência de um mecanismo que revise controles internos, aplique o código de ética a funcionários e terceirizados, investigue e puna funcionários corruptos e crie um canal de denúncia interno será levada em conta pelas autoridades, que podem atenuar as sanções aplicadas. Em suma, se a empresa provar que tomou todas as medidas ao seu alcance para que esse tipo de prática não ocorresse, ela poderá reduzir sua responsabilidade.

Na visão dos especialistas, a lei traz uma grande oportunidade para as empresas avaliarem onde se encontram os principais riscos aos seus negócios. “É uma oportunidade de rever todos os processos internos e as conexões com terceiros, para entender onde existe interação com órgãos e funcionários públicos, direta ou indiretamente. Intermediários, despachantes ou qualquer responsável por conseguir alvarás e licenças junto a órgãos públicos têm que constar dessa avaliação de risco. O código de ética terá que ser aplicado a esses intermediários, porque o argumento de que o ato de corrupção foi feito por terceiros e que a empresa não teve responsabilidade não valerá mais”, diz Trevor Schumacher, sócio da área de financial advisory da Deloitte.

O mercado aguarda, agora, a publicação de um decreto federal que regulamente os critérios da aplicação da lei, por exemplo quando as multas serão de 0,1% ou de 20% sobre o faturamento e também detalhes sobre o programa de cooperação, nos moldes de um acordo de leniência, em que as empresas terão as sanções atenuadas em caso de cooperação com as autoridades.